Agostinho da Silva
Portugal
1906 // 1996
Filósofo/Poeta/Ensaísta
O Grande Educador
É além de tudo
essencial que a escola se não separe do mundo; não há escolas e
oficinas; há um certo género de oficinas em que trabalham crianças nas
tarefas que lhes são adequadas e lhes vão facilitando o desenvolvimento
do corpo e do espírito; vão colaborando no que podem e no que sabem para
que a vida melhore. Ninguém fugirá da escola e a olhará como um horror
no dia em que a deixemos de conceber como o lugar a que se vai para
receber uma lição, para a considerarmos como o ponto de condições
óptimas para que uma criança efectivamente dê a sua ajuda a todos os que
estão procurando libertar a condição humana do que nela há de
primitivo; não se veja no aluno o ser inferior e não preparado a que se
põe tutor e forte adubo; isso é o diálogo entre o jardineiro e o feijão;
outra ideia havemos de fazer das possibilidades do homem e do arranjo
da vida; que a criança se não deixe nunca de ver como elemento activo na
máquina do mundo e de reconhecer que a comunidade está aproveitando o
seu trabalho; de número na classe e de fixador de noções temos de a
passar a cidadão.
O grande educador não pensa na escola pela escola, como o grande artista
não aceita a arte pela arte; é incapaz de se encerrar na relativa
estreiteza de uma vida de ensino; a escola, de tudo o que lhe oferecia o
universo, é apenas o ponto a que dedicou maior interesse; mas é-lhe
impossível furtar-se a mais larga actividade. De outro modo: trabalha
com ideias gerais; não dirá que esta escola é o seu mundo, mas que esta
escola é parte indispensável do seu mundo. E quererá também que toda a
oficina passe a ser uma escola; que haja o trabalho proporcionado e
alegre, amorosamente feito, porque se sabe necessário ao progresso,
levado a cabo numa atitude de artista e de voluntário, disciplinado
remador na jangada comum; que se não esmaguem as faculdades superiores
do operário sob o peso e a monotonia de tarefas sem interesse e sem
vida; que se faça a clara distinção entre o homem e a máquina; que,
finalmente, se ajude o trabalhador a encontrar na sua ocupação, em todas
as ideias que a cercam e a condicionam ou que ela própria provoca, o
Bem Supremo da sua vida e da vida dos outros.
Agostinho da Silva, in 'Considerações'